Atualmente, com o avanço das
tecnologias e o consequente desenvolvimento da Ciência, é possível conhecer
melhor o mundo da genética. A genética é uma área muito ampla da Ciência que,
como todas as outras ainda é bastante enigmática.
Hoje venho falar-vos de um caso
peculiar que muito me interessou pelo facto de combinar duas “anormalidades”
genéticas: os genes letais e
a hereditariedade ligada ao sexo.
Então, e sem demoras, apresento-vos a Distrofia
Muscular de Duchenne (DMD).
Esta doença foi primeiro estudada e
descrita por um neurologista francês, Guillaume Benjamin Amand Duchenne, em
1860 e posteriormente trabalhada por William Richard Gowers que providenciou
informações relativas aos sintomas.
Tal como a maior parte das
distrofias musculares, a DMD caracteriza-se por uma progressiva degeneração das células musculares
acompanhada de fraqueza e atrofia muscular. Sendo as distrofias musculares algo
raro, de todas, esta é a mais frequente e, infelizmente, também a mais grave.
Um
indivíduo que manifesta esta doença nasce aparentemente saudável.
Quando chega perto dos 3-5 anos começam-se a notar os primeiros sintomas:
quedas frequentes, dificuldades em subir escadas, em correr, em saltar e em
levantar-se do chão a partir da posição deitada. Os pais são os primeiros a
detetar algo estranho até porque a criança começa a andar mais tarde que o
normal. Um sinal clássico do doente é a manobra
de Gowers que consiste na forma
como os indivíduos se levantam da posição de “deitados no chão” apoiando
sucessivamente os membros superiores nos inferiores. Observa-se também uma pseudo-hipertrofia
(aumento de volume) da barriga das pernas, andar de pato (inclinando
o corpo quando anda: ora para a direita, ora para a esquerda), lordose
lombar (curvatura da coluna com projeção da barriga) e escolioses
(curvaturas da coluna laterais) que normalmente têm de ser corrigidas
cirurgicamente para não afetar a caixa torácica. Quando o indivíduo entra na
faixa dos 8-12 anos, começam a surgir dificuldades em andar e é por
volta desta idade que as crianças ficam “condenadas” a uma vida de cadeiras de rodas. No entanto, não passarão muito tempo
nestas condições visto que a esperança
de vida dos jovens com DMD não vai muito para além dos 20 anos. A causa de
morte é devido a insuficiência respiratória e/ou cardíaca. E como? Devido à
atrofia muscular, os pulmões deixam de conseguir funcionar corretamente
inibindo o processo de ventilação. Para além disso, as células musculares (que
inicialmente são substituídas por tecido novo) com o progredir da doença,
começam a ser substituídas por tecido adiposo (gordura) o que obriga o
coração a bombear sangue com mais força até chegar a um limite em que não
aguenta mais.
Cronologia de
Duchenne
(Tradução)
1.º Texto: Nos
primeiros meses de vida tudo parece normal.
2.º Texto: Aos três
anos começam a notar-se alguns problemas.
Sinal
de Gowers (0:45-0:52)
Dificuldade
em subir escadas (0:53-1:13)
3.º Texto: Uma
criança com seis anos começa a sentir dificuldades em andar.
Lordose
lombar – projeção da barriga (1:26-1:35)
4.º Texto: Uma
criança de sete anos tem dificuldades em acompanhar os amigos.
Andar
de pato (1:50-1:53)
5.º Texto: Aos oito
anos a vida diária pode ser muito difícil.
Andar
de pato (2:15-2:20)
Sinal
de Gowers (2:22-2:40)
6.º Texto: Aos nove
anos a força continua a esvanecer-se.
Lordose
lombar e andar de pato (2:50-2:59)
7.º Texto: Os dez
anos são a idade média a partir da qual andar deixa de ser possível.
8.º Texto: Pouco
depois, os membros superiores enfraquecem.
9.º Texto: A
escoliose ocorre em 90% dos casos. Será necessária uma operação cirúrgica.
10.º Texto: Aos
catorze anos é difícil levar a mão à boca.
11.º Texto: Aparelhos
mecânicos de tosse assistida serão necessários para limpar os pulmões.
12.º Texto:
Aparelhos de ventilação ajudam os jovens a respirar durante a noite.
13.º
Texto: Sem os cuidados necessários, os jovens morrerão antes de chegarem aos
20.
Mas
como é causada esta doença? A distrofia muscular de Duchenne é uma doença genética hereditária o
que significa que é transmitida de pais
para filhos. A curiosidade é que tem origem
numa mutação que ocorre no gene DMD localizado no cromossoma X do par de cromossomas sexual (23.º). O gene DMD
(o mais longo de todos) codifica uma proteína: a distrofina. Esta proteína tem como função assegurar a integridade da membrana de uma fibra muscular. Sendo um
gene extremamente comprido, está bastante suscetível a que ocorram mutações
(alterações do ADN). As mutações mais comuns são duplicações ou deleções. Uma
mutação no gene implica a não formação (ou malformação) da proteína. Isto leva
a que as células musculares fiquem necrosadas (morram) pois deixa de haver
regulação da membrana, e o músculo não se desenvolve mas sim atrofia
comprometendo a vida do indivíduo. É pelo facto de levar à morte que este gene
é considerado letal. Nota:
Apesar de ser essencialmente uma doença hereditária, a DMD pode ter origem numa
mutação espontânea e ser independente de fatores hereditários.
Um dos factos que chamou a atenção de
Duchenne e o levou a investigar mais foi que esta doença era muito mais comum no sexo masculino do
que no feminino. Esta é uma questão que hoje em dia podemos explicar
com facilidade. Para tal precisamos de ter dois factos importantes em mente: 1- Este gene encontra-se no par sexual;
2- Este gene é recessivo (pelo que
se manifesta apenas quando em homozigotia). A partir daqui podemos concluir:
A: Para que o rapaz (par de cromossomas sexual XY) manifeste a doença basta possuir o cromossoma X com a mutação.
Isto porque, como o gene DMD se localiza no cromossoma X, significa que não
existe nenhum alelo correspondente no cromossoma Y. Então, ainda que seja de
cariz recessivo, a Distrofia Muscular de Duchenne manifestar-se-á em todos os
casos. Basta então que a mãe possua um dos cromossomas com o gene mutado que
é possível que o rapaz nasça doente.
B:
As raparigas, por outro lado,
têm mais sorte (se é que se pode chamar sorte). Visto possuírem dois
cromossomas X no par sexual, é
necessário que a mutação se encontre em ambos os cromossomas para que manifestem
a Distrofia Muscular de Duchenne. Caso contrário, como é uma característica
recessiva, se um dos cromossomas não apresentar a mutação, compensará o que tem
e a rapariga não manifesta a doença. Então, para que a rapariga manifeste a
doença é necessário que o pai e a mãe possuam ambos um cromossoma (X) com o
gene DMD mutado. Ora, é importante notar que é muito improvável que tal
aconteça: um rapaz que seja doente não vive muito para além dos 20 anos pelo
que será muito pouco provável reproduzir-se.
Beatriz Felgueiras
Trabalho elaborado a partir
de pesquisa: