quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

2 em 1


Atualmente, com o avanço das tecnologias e o consequente desenvolvimento da Ciência, é possível conhecer melhor o mundo da genética. A genética é uma área muito ampla da Ciência que, como todas as outras ainda é bastante enigmática.
Hoje venho falar-vos de um caso peculiar que muito me interessou pelo facto de combinar duas “anormalidades” genéticas: os genes letais e a hereditariedade ligada ao sexo. Então, e sem demoras, apresento-vos a Distrofia Muscular de Duchenne (DMD).
Esta doença foi primeiro estudada e descrita por um neurologista francês, Guillaume Benjamin Amand Duchenne, em 1860 e posteriormente trabalhada por William Richard Gowers que providenciou informações relativas aos sintomas.
Tal como a maior parte das distrofias musculares, a DMD caracteriza-se por uma progressiva degeneração das células musculares acompanhada de fraqueza e atrofia muscular. Sendo as distrofias musculares algo raro, de todas, esta é a mais frequente e, infelizmente, também a mais grave.
Um indivíduo que manifesta esta doença nasce aparentemente saudável. Quando chega perto dos 3-5 anos começam-se a notar os primeiros sintomas: quedas frequentes, dificuldades em subir escadas, em correr, em saltar e em levantar-se do chão a partir da posição deitada. Os pais são os primeiros a detetar algo estranho até porque a criança começa a andar mais tarde que o normal. Um sinal clássico do doente é a manobra de Gowers que consiste na forma como os indivíduos se levantam da posição de “deitados no chão” apoiando sucessivamente os membros superiores nos inferiores. Observa-se também uma pseudo-hipertrofia (aumento de volume) da barriga das pernas, andar de pato (inclinando o corpo quando anda: ora para a direita, ora para a esquerda), lordose lombar (curvatura da coluna com projeção da barriga) e escolioses (curvaturas da coluna laterais) que normalmente têm de ser corrigidas cirurgicamente para não afetar a caixa torácica. Quando o indivíduo entra na faixa dos 8-12 anos, começam a surgir dificuldades em andar e é por volta desta idade que as crianças ficam “condenadas” a uma vida de cadeiras de rodas. No entanto, não passarão muito tempo nestas condições visto que a esperança de vida dos jovens com DMD não vai muito para além dos 20 anos. A causa de morte é devido a insuficiência respiratória e/ou cardíaca. E como? Devido à atrofia muscular, os pulmões deixam de conseguir funcionar corretamente inibindo o processo de ventilação. Para além disso, as células musculares (que inicialmente são substituídas por tecido novo) com o progredir da doença, começam a ser substituídas por tecido adiposo (gordura) o que obriga o coração a bombear sangue com mais força até chegar a um limite em que não aguenta mais.


Cronologia de Duchenne (Tradução)
1.º Texto: Nos primeiros meses de vida tudo parece normal.
2.º Texto: Aos três anos começam a notar-se alguns problemas.
Sinal de Gowers (0:45-0:52)
Dificuldade em subir escadas (0:53-1:13)
3.º Texto: Uma criança com seis anos começa a sentir dificuldades em andar.
Lordose lombar – projeção da barriga (1:26-1:35)
4.º Texto: Uma criança de sete anos tem dificuldades em acompanhar os amigos.
Andar de pato (1:50-1:53)
5.º Texto: Aos oito anos a vida diária pode ser muito difícil.
Andar de pato (2:15-2:20)
Sinal de Gowers (2:22-2:40)
6.º Texto: Aos nove anos a força continua a esvanecer-se.
Lordose lombar e andar de pato (2:50-2:59)
7.º Texto: Os dez anos são a idade média a partir da qual andar deixa de ser possível.
8.º Texto: Pouco depois, os membros superiores enfraquecem.
9.º Texto: A escoliose ocorre em 90% dos casos. Será necessária uma operação cirúrgica.
10.º Texto: Aos catorze anos é difícil levar a mão à boca.
11.º Texto: Aparelhos mecânicos de tosse assistida serão necessários para limpar os pulmões.
12.º Texto: Aparelhos de ventilação ajudam os jovens a respirar durante a noite.
13.º Texto: Sem os cuidados necessários, os jovens morrerão antes de chegarem aos 20.
            Mas como é causada esta doença? A distrofia muscular de Duchenne é uma doença genética hereditária o que significa que é transmitida de pais para filhos. A curiosidade é que tem origem numa mutação que ocorre no gene DMD localizado no cromossoma X do par de cromossomas sexual (23.º). O gene DMD (o mais longo de todos) codifica uma proteína: a distrofina. Esta proteína tem como função assegurar a integridade da membrana de uma fibra muscular. Sendo um gene extremamente comprido, está bastante suscetível a que ocorram mutações (alterações do ADN). As mutações mais comuns são duplicações ou deleções. Uma mutação no gene implica a não formação (ou malformação) da proteína. Isto leva a que as células musculares fiquem necrosadas (morram) pois deixa de haver regulação da membrana, e o músculo não se desenvolve mas sim atrofia comprometendo a vida do indivíduo. É pelo facto de levar à morte que este gene é considerado letal. Nota: Apesar de ser essencialmente uma doença hereditária, a DMD pode ter origem numa mutação espontânea e ser independente de fatores hereditários.
Um dos factos que chamou a atenção de Duchenne e o levou a investigar mais foi que esta doença era muito mais comum no sexo masculino do que no feminino. Esta é uma questão que hoje em dia podemos explicar com facilidade. Para tal precisamos de ter dois factos importantes em mente: 1- Este gene encontra-se no par sexual; 2- Este gene é recessivo (pelo que se manifesta apenas quando em homozigotia). A partir daqui podemos concluir:
A: Para que o rapaz (par de cromossomas sexual XY) manifeste a doença basta possuir o cromossoma X com a mutação. Isto porque, como o gene DMD se localiza no cromossoma X, significa que não existe nenhum alelo correspondente no cromossoma Y. Então, ainda que seja de cariz recessivo, a Distrofia Muscular de Duchenne manifestar-se-á em todos os casos. Basta então que a mãe possua um dos cromossomas com o gene mutado que é possível que o rapaz nasça doente.
B: As raparigas, por outro lado, têm mais sorte (se é que se pode chamar sorte). Visto possuírem dois cromossomas X no par sexual, é necessário que a mutação se encontre em ambos os cromossomas para que manifestem a Distrofia Muscular de Duchenne. Caso contrário, como é uma característica recessiva, se um dos cromossomas não apresentar a mutação, compensará o que tem e a rapariga não manifesta a doença. Então, para que a rapariga manifeste a doença é necessário que o pai e a mãe possuam ambos um cromossoma (X) com o gene DMD mutado. Ora, é importante notar que é muito improvável que tal aconteça: um rapaz que seja doente não vive muito para além dos 20 anos pelo que será muito pouco provável reproduzir-se.

Beatriz Felgueiras

Trabalho elaborado a partir de pesquisa:

4 comentários:

  1. Gostei muito deste post, achei muito interessante. Eu já tinha visto casos destes, mas nunca lhe soube o nome da doença, quanto mais percebê-la. Mas agora com este post já entendi, e portanto percebo o porquê de ser mais comum no sexo masculino. Acho que é um bom post também porque relaciona algo que muitos de nós desconhece com a matéria que estamos a dar nas aulas de biologia, e portanto uma aluna, como eu, que já tinha ouvido falar da doença mas não a conhecia por completo, diguemos assim, consegue entender melhor esta doença, porque se calhar se eu fosse pesquisar esta doença noutro site qualquer não entenderia talvez tão bem o porquê de ser mais comum nos homens. Acho que fizeste um bom trabalho, Beatriz, a serio que gostei muito :D

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  2. A nossa geração tem uma cultura geral muito pouco desenvolvida e muitos de nós não se interessam pelo que se passa à nossa volta. Aposto que são poucas as pessoas que já ouviram falar desta doença e sabem de que se trata. Acho este post talvez dos mais interessantes uma vez que envolve, tal como a Mariana disse, muita da matéria que aprendemos nas aulas com algo que nos é desconhecido ou praticamente desconhecido e conseguimos também enriquecer assim a nossa cultura. O que mais me impressionou na tua pesquisa foi conseguires arranjar um assunto que relacionasse muita da matéria que demos de genética. Adorei!!

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  3. É um bom post, interessante e adequado. No entanto podias ter tirado mais proveito dele se já tivéssemos dado as mutações. Foi bem explorado, no entanto acho que se calhar poderias ter falado um bocadinho menos da doença em si (sintomas) e teres entrado mais um bocado na matéria leccionada, como por exemplo pegar neste exemplo para justificar a baixa frequência de genes letais na população. Beatriz, a hereditariedade ligada ao sexo é uma anormalidade?!! E o gene DMD vai ser mutado (lê o teu último parágrafo) ou surge da mutação noutro gene?

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    1. Caríssima professora, muito obrigada pelo seu comentário. Quando eu disse que a hereditariedade ligada ao sexo é uma anormalidade (entre aspas) foi no sentido de serem poucos os genes ligados ao sexo. Anormalidade é com o sentido de ser pouco normal, pouco comum. É apenas um cromossoma (ou par, no caso das raparigas) quando existem 23 pares de autossomas, tornando a proporção de características ligadas ao sexo muito reduzida. O gene DMD é o gene que codifica a proteína distrofina. Este gene é que é mutado, não resulta da mutação. Da mutação resulta o gene DMD mutado. Concordo que podia ter falado menos na doença e centrado-me, como a professora disse, na explicação da baixa frequência de genes letais na população.

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