Como estudámos recentemente, a técnica
de PCR é utilizada para a amplificação
de determinadas porções de ADN. Provavelmente ainda não pararam para pensar:
“Por que razão será útil clonar determinadas porções de ADN?” Pois bem, hoje apresento-vos
uma das utilidades do PCR.
Recentemente tive a oportunidade de
‘trabalhar’ num laboratório da Universidade de Cardiff, País de Gales. Durante
duas semanas estive a fazer ‘Sexagens’.
E o que é isto? É nada mais nada menos que a determinação do género de
determinados indivíduos. Neste caso efetuou-se a sexagem em indivíduos de
duas espécies de aves marinhas: Pterodroma
deserta (Freira do Bugio) e Puffinus baroli
(Frulho). Estas duas espécies apresentam um baixo grau de dimorfismo sexual, ou seja, é difícil diferenciar
o macho da fêmea em termos morfológicos. Quando se pretende estudar estas
espécies (trajetos de migração, lugares de nidificação, alimentação, …) é
importante possuir dados estatísticos relativamente ao género dos indivíduos. A
técnica de PCR permite identificar geneticamente as ‘diferenças’ que não são
visíveis a olho nu.
No ser humano (e outros seres vivos) é
o espermatozoide que define o género dos descendentes podendo transportar um
cromossoma sexual X ou Y. Ao juntar-se ao oócito II (sempre com o cromossoma
sexual X) origina machos (XY) ou fêmeas (XX). No entanto, as aves (e alguns outros seres vivos) possuem outro sistema de determinação do sexo, ZW. Nas aves
é o gâmeta feminino que determina o sexo das crias pois transporta um de
dois cromossomas sexuais: Z ou W. As fêmeas
são consideradas heterogaméticas (ZW)
e os machos homogaméticos (ZZ).
O gene
CHD1 (que codifica uma enzima e existe em ambos os cromossomas Z e W) é
aquele que nos vai indicar qual o sexo de cada indivíduo. E como?
O cromossoma Z possui o gene CHD1-Z que difere do gene CHD1-W (presente no
cromossoma W) porque, como tem diferentes intrões, apresenta um maior número de
bases (tem maior tamanho). Assim, os
machos possuem dois genes CHD1-Z e as fêmeas um gene CHD1-Z e um CHD1-W.
Metodologia
utilizada:
∙
As
extrações de ADN são feitas a partir de uma amostra de sangue do
indivíduo em estudo. Os tubos com o sangue são colocados numa centrifugadora
durante 3 minutos na velocidade máxima (para que as partículas do sangue sejam
separadas do álcool 90% utilizado como conservante). Coloca-se uma parte do
sangue num tubo (chamado tubo de Eppendorf) com 50ml de H2O purificada e
adicionam-se 20ml
de uma resina especial.
Notas: os tubos devem estar
sempre numerados para que correspondam ao indivíduo que cuja amostra está a ser
analisada; é habitual ter pelo menos dois tubos sem amostra de sangue que
servirão como negativos para assegurar que não há nenhuma contaminação.
∙
As preparações são colocadas num Vortex para misturar tudo e
posteriormente numa pequena centrifugadora a baixa velocidade por cerca de 3
segundos para garantir que toda a amostra se encontre no fundo do tubo, ou
seja, que nenhuma gota fica colada às paredes do tubo. Posteriormente
colocam-se os tubos numa placa de aquecimento a 50°C durante 30 minutos, seguidos de 8 minutos a 100°C.
∙
Prepara-se num pequeno tubo uma solução com uma mistura
pré-feita (que inclui os nucleótidos do ADN (dNTP’s) e a Taq-polimerase, entre outros componentes), H2O purificada, os primers (forward e reverse) e BSA (uma
proteína chamada Albumina de Soro de Bovino que é um antioxidante e controla o
pH). Nota: As quantidades de cada um dos ‘ingredientes’ variam consoante a
quantidade de amostras que vão ser analisadas no PCR.
Nota: Primers utilizados:
2550F: 5´-GTTACTGATTCGTCTACGAGA-3´
2718R: 5´-ATTGAAATGATCCAGTGCTTG-3´
∙
Divide-se
a solução por cada um dos tubos do PCR. Adiciona-se aos tubos do PCR uma parte
da amostra de sangue (apenas cerca de 1ml da parte superficial do líquido da
amostra preparada inicialmente).
∙
Os
tubos são então colocados num termociclador que é programado de acordo
com as instruções do fabricante e consoante o tipo de amostras. Há um primeiro
ciclo para aquecimento seguido de vários ciclos alternando aquecimento e
arrefecimento e terminando com uma última fase de arrefecimento.
O
que ocorre durante o PCR?
Inicialmente (devido ao aumento de
temperatura) quebram-se as ligações por pontes de hidrogénio existentes entre
os nucleótidos. As duas cadeias de ADN ficam então ‘livres’ e os primers
vão-se ligar em zonas específicas (com sequências de nucleótidos
complementares às suas) de cada uma das cadeias de ADN. A Taq-polimerase é uma enzima que ao encontrar os primers reconhece-os como locais de
início de síntese. Assim, facilita a construção
de uma cadeia de ADN (complementar à existente) utilizando os nucleótidos
disponíveis. Este processo repete-se
durante os ciclos do PCR. Isto significa que, no final do PCR, uma determinada
porção do ADN (delimitada de acordo com os primers utilizados) vai existir em quantidades muito
superiores em comparação com o resto do ADN. Neste caso, no final do
PCR existem grandes quantidades dos genes CHD1-Z (independentemente
do género do indivíduo) e CHD1-W (apenas se o indivíduo for uma fêmea).
Depois do PCR terminar é colocada uma
‘tinta’ em cada uma das amostras que
vai funcionar como um corante. As amostras são posteriormente colocadas
nos poços existentes no gel de agarose (notar que o primeiro poço deve ser deixado
para a escala de número de bases (pois esta servirá de comparação) e deve
colocar-se uma amostra de uma fêmea, previamente confirmada (o positivo), para
garantir que a eletroforese é eficaz).
Nota: Como preparar o
gel de agarose e a eletroforese?
∙
Seleciona-se
um tabuleiro e coloca-se uma fita de cada lado para impedir que o gel
escorra para o lado e colocam-se os pentes que vão fazer com que se
formem poços para colocar as amostras.
∙
Mede-se
a agarose numa balança e transfere-se para um balão de Erlenmeyer.
Adiciona-se uma solução-tampão feita a partir de água e TBE (em partes
iguais). Leva-se o balão ao micro-ondas para fundir a agarose (basta cerca de
30 segundos, até a solução ficar transparente).
∙
À
solução adiciona-se Brometo de Etídio, um agente altamente cancerígeno
(razão pela qual se devem usar dois pares de luvas na preparação deste gel),
que se vai ligar às cadeias duplas de ADN tornando-as fluorescentes quando sob
a ação de radiação ultravioleta.
∙
Coloca-se
o gel no tabuleiro e espera-se cerca de 30 minutos até que solidifique.
Quando o gel está solidificado (como gelatina), removem-se os pentes e
coloca-se o tabuleiro no aparelho de eletroforese.
O aparelho
de eletroforese possui um polo negativo (onde as amostras são
colocadas) e um positivo para
o qual o ADN migra, uma vez que as
moléculas de ADN são carregadas negativamente. Quando se liga o aparelho
(isto pode ser verificado por aparecerem pequenas bolhas de ar no lado do polo
negativo), gera-se uma diferença de potencial e os fragmentos de ADN começam
a percorrer o gel sendo que os mais
‘pesados’ (maior número de bases) são
mais ‘lentos’ e os mais ‘leves’
(menor número de bases) são mais
‘rápidos’, percorrendo, por isso, uma maior distância no mesmo período de
tempo. Neste caso os fragmentos que
correspondem ao gene CHD1-Z são os mais pesados e os que correspondem ao gene CHD1-W os mais leves.
Por esta razão, quando se aplica a diferença de potencial, os fragmentos do gene CHD1-W vão migrar mais rapidamente que os do
gene CHD1-Z.
Para observar os resultados da eletroforese é necessário remover o gel de agarose do tabuleiro e
coloca-lo sob radiação ultravioleta.
A radiação ultravioleta vai tornar
visíveis os fragmentos de ADN resultantes do PCR e vai ser possível observar
bandas fluorescentes. Como os machos
possuem dois genes CHD1-Z, nos resultados da eletroforese surge apenas uma banda (onde estão
todos os fragmentos correspondentes ao gene CHD1-Z). Por outro lado, as fêmeas possuem um gene CHD1-Z e um gene
CHD1-W que migram a diferentes velocidades (pois possuem diferentes tamanhos) e
por isso nos resultados da eletroforese surgem duas bandas: uma banda onde se encontram os fragmentos que
correspondem ao gene CHD1-Z e a outra onde se encontram os fragmentos que
correspondem ao gene CHD1-W.
Notas: Normalmente os resultados indicativos de
macho são repetidos. Estes resultados que apresentam uma só banda sugerem
que o indivíduo possuía dois genes CHD1-Z o que pode não corresponder à verdade
pois pode ter havido algum impedimento e
os fragmentos correspondentes ao gene CHD1-W podem não ter conseguido migrar
o suficiente para se notar a segunda banda. Quando um negativo apresenta um
resultado é necessário considerar repetir
a extração pois provavelmente na altura das extrações houve contaminação que levou a que parecesse que o negativo tinha
uma amostra. Isto poderá querer dizer que as outras amostras também podem estar contaminadas. Quando um positivo não apresenta resultado é
necessário considerar repetir a
eletroforese pois terá havido algum problema e os fragmentos de gene, que
deviam ter migrado, não migraram. As
amostras que não apresentam um resultado claro também devem ser repetidas.
Para
os apaixonados pela parte prática da ciência, é fantástico fazer sexagens! Posso confirmar por experiência
própria. Este trabalho de laboratório envolve muita paciência e concentração,
mas, melhor ainda, envolve muitos instrumentos que às vezes parecem existir só
em filmes. Para além disso, a prática ajuda a compreender a teoria.
Obviamente o PCR não é utilizado só para fazer sexagens mas é uma das suas
utilidades no dia-a-dia de vários investigadores científicos, principalmente no
campo da genética. Se tinham dúvidas de como o PCR podia ser útil, espero ter
conseguido esclarecê-las, se não, façam favor de perguntar!
Beatriz
Felgueiras
O que acontece durante um PCR:
Agora para quem quiser rir-se um
bocadinho:
Trabalho elaborado por Beatriz
Felgueiras a partir de pesquisa (vistos pela última vez a 12.03.2013):
Acho que é um bom post, sobre um bom tema! Explicaste a tecnica de PCR de forma simples e compreensivel. Já me tinhas falado de como foi quando foste a Cardiff, mas nunca me tinhas explicado o procedimento de como se faz as 'sexagens', é muito interessante, e gostei de saber que existem outras aplicações para além do DNA fingerprint em que se usa a eletroforese, até porque quando a professora cláudia nos apresentou o DNA fingerprint, e nomeadamente a eletroforese, achei super interessante, e gostei muito de saber de outra aplicação em que se usa a eletroforese
ResponderEliminarBeatriz, não te vou mentir, quando vi o teu post assim por alto, fiquei WOOOOOW, tanto texto, mas como é obvio li, e achei muito interessante. Pensava mesmo que a utilização de PCR's era mesmo só para quando se fazia rDNA e cDNA para se fazerem os transgénicos, o que, depois de ler o teu post, me fez pensar que sou uma ignorante xD Mas gostei muito, e achei muito bem teres estado nessa universidade a "trabalhar" como tu dizes, em laboratório, sempre ficas com a ideia, de como é estar num laboratório mesmo numa Universidade, e ainda por cima em Cardiff. Explicaste, mesmo muito bem, muito detalhadamente o procedimento efectuado, os primers e isso tudo, melhor explicado, acho que nao dava. Muito bem Beatriz.
ResponderEliminarMais adequado acho impossível!!! Não conhecia esta utilização do PCR e da electroforese, sempre foi uma duvida para mim como determinavam o sexo de outras espécies onde os machos e as fêmeas, visualmente, são idênticos. Muito bem explicado e ajuda muito a compreensão das duas tecnicas. Eu sabia que o PCR era utilizado para todo o estudo de genética, uma vez que se devem repetir os testes e devem sempre ter uma "copia de segurança" do ADN. Sobre a electroforese, como não falamos muito, não sei tanto para o que é utilizada. Excelente trabalho. :)
ResponderEliminarCarissima Beatriz, olha no inicio do ano letivo quando te perguntei o que é que tinhas feito em Cardiff e tu respondeste "sexagens" eu pensei: "ah ya percebi mesmo!" mas depois lá explicaste o que era uma sexagem e pronto eu percebi mas não percebia muito de como é que isso acontecia. e aqui está a explicação. muito bem. Gostei. (só um pequeno à parte: quando vi o teu post tive a mesma reaçao da Nicole.xD mas esplicas tudo pormenorizadamente e assim conseguimos perceber tudo.) Parabens.
ResponderEliminarBea, fiquei estupefacta com estas descrições todas!!
ResponderEliminarFoste ao pormenor de toda a tua pesquisa e de todo o teu trabalho no País de Gales, deve ter sido uma ótima experiência, vê-se que aprendeste muito. Este post está bastante adequado visto que falas na técnica do PCR e nas suas utilidades.
GOSTEI MUITO!!